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Narração, ou a busca de sentido

“A louca da casa”, de Rosa Montero, oferece a todos os que trabalham com a narrativa, ou simplesmente se interessam pelo tema, um olhar instigante. Seu texto é leve e profundo, permeado de um humor elegante ao narrar casos engraçados, e com sensibilidade delicada ao contar histórias terríveis. Trata-se de um livro sobre a literatura e o ato de escrever. E da busca de sentido e significado, busca que acompanha toda a existência humana.Logo na segunda página, nos oferece esta pérola:“Sempre pensei que a narrativa é a arte primordial dos seres humanos. Para ser, temos que nos narrar(...).”Rosa Montero discorre sobre a memória, e de como ela é ficcional. O que “lembramos”, apesar de apoiado numa realidade vivida, é também fruto de como a vivemos. Ao longo do livro, a autora nos mostra, de maneira surpreendente, situações que nos remetem a esta ideia. “De maneira que nós inventamos nossas lembranças, o que é o mesmo que dizer que inventamos a nós mesmos, porque nossa identidade reside na memória, no relato de nossa biografia. Portanto, poderíamos dizer que os seres humanos são, acima de tudo, romancistas, autores de um romance único cuja escrita dura toda a existência e no qual assumimos papel de protagonistas. É uma escrita, naturalmente, sem texto físico, mas qualquer narrador profissional escreve sobretudo dentro da cabeça. É um runrum criativo que nos acompanha enquanto estamos dirigindo, ou levando o cachorro para passear, ou na cama tentando dormir. A gente escreve o tempo todo.” Esta é uma esclarecedora visão do papel da narrativa na condição humana. Lembro um dito muito comum em situações difíceis: “calma que, no final, tudo acaba bem, e se ainda não está bem, é porque não acabou”. Nem sempre é assim, e muitas histórias terminam de forma infeliz, até mesmo trágica. Mas mesmo estas, ao serem narradas (para outrem ou para nós mesmos), quando não estamos mais no meio da tempestade, parecem adquirir sentido, e somos capazes de rir de nossas próprias desgraças. Ainda que nos tragam a lembrança da dor, o desespero só nos alcança quando não encontramos significado. Rosa Montero é escritora, e o livro em questão trata da palavra escrita. Como narrador que trabalha com a palavra na voz, o parágrafo acima transcrito parece com meu próprio discurso, sempre que abordo este assunto em minhas oficinas. Leio para meus alunos este trecho, trocando “romancistas” por “narrador”, “romance” e “escrita” por “narrativa”, com o cuidado de apontar estas alterações. Disse antes que as palavras de Rosa Montero se parecem com as minhas, mas a verdade é que nunca me pareceram tão precisas, ou a idéia nunca foi tão bem expressa por mim quanto o que está no texto aqui transcrito. De qualquer forma, pratico nestas ocasiões a verdadeira função da arte, que é a de nos proporcionar sentido e significado.

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